ROBSON
PINHEIRO FALA SOBRE SEUS LIVROS
Escrito por
Manoel Fernandes Neto
Por que alguns
irmãos do movimento espírita classificam seu trabalho de umbandista e não
doutrinário? Você pode comentar esta questão?
Robson
Pinheiro - Primeiramente, é preciso esclarecer que umbandista não se opõe a
doutrinário, se entendermos doutrinário como atinente ao espiritismo. Afinal, um
trabalho pode ser coerente com a doutrina de umbanda, e não com a doutrina
espírita.
No meu caso,
entretanto, não conheço acerca de doutrina de umbanda, nem tampouco qualquer
linha de meus livros versam sobre esse tema. Ou seja, nem eu conheço o assunto
nem os espíritos que escrevem através de mim abordam doutrina umbandista.
Afinal, sou espírita, minha formação é espírita e o compromisso meu e dos
espíritos que me dirigem é com o espiritismo. E aí a questão proposta esbarra em
algo maior, para o qual devo me alongar a fim de procurar ser mais
claro.
Ocorre que,
para a certa surpresa de Allan Kardec, muitos de seus adeptos acabaram por
delimitar assuntos para o debate ou o olhar espírita, baseando-se em uma
perspectiva estreita e, com isso, separando temas e abordagens em compartimentos
estanques — doutrinário ou antidoutrinário —, à medida que se desenvolvia o
movimento espírita. Imagine, um homem que foi porta-voz de uma revelação que,
segundo ele, pretendia contribuir para o esclarecimento de qualquer religião,
sem constituir necessariamente uma religião à parte!
Como esse
homem poderia ser um purista, alguém que não desejasse versar sobre quaisquer
temas por meio da ótica espírita, das lentes e ferramentas que o espiritismo
oferece?
Essa é a
leitura que faço da atitude kardequiana, que perpassa todos os seus escritos.
Repare a obra de sua autoria chamada Catálogo racional para se fundar uma
biblioteca espírita, que a Madras Espírita traduziu pela primeira vez, na época
do saudoso Eduardo Carvalho, e a FEB hoje publica na coletânea de opúsculos
denominada O espiritismo em sua mais simples expressão. Naquele Catálogo, Kardec
inclui uma categoria inteiramente dedicada aos livros “produzidos fora do
espiritismo”, bem como outra destinada às obras contrárias à doutrina nascente.
Em minha opinião, isso denota o interesse por todos os temas, a certeza de que o
debate espírita não precisaria se restringir a este ou aquele tema, mas
ampliar-se o máximo possível.
O que quero
dizer com tudo isso é que livros meus como Tambores de Angola ou Aruanda
efetivamente falam de temas ligados às doutrinas religiosas de caráter mediúnico
e com forte expressão da cultura do negro e do indígena (umbanda, candomblé
etc.), mas jamais enfocam seu aspecto doutrinário. Não é seu objetivo nem minha
pretensão. Procuram tão-somente demonstrar como o trabalho ocorre nesses meios
tanto para promover um exercício de fraternidade — mostrando que não é só o
jeito espírita a única forma de fazer — quanto para destacar que, por razões
históricas e culturais que transcendem aspectos doutrinários, figuras como o
preto-velho, o caboclo e o exu fazem parte da realidade brasileira, quer o
espírita goste ou não.
Afinal, por
que razão não haveriam de povoar o panorama espiritual do Brasil os espíritos
que aqui viveram e morreram? E, estando aqui, só podem contribuir nesta ou
naquela religião? Ora, se o espírito é minimamente esclarecido, não é
sectarista; usa as ferramentas de cada culto conforme a tradição de seus
adeptos. Sendo assim, um preto-velho pode usar cachimbo numa casa de umbanda,
onde isso é habitual, e certamente não o fará numa casa espírita, pois que nesta
soaria como afronta.
Se fosse
verdadeira a classificação dos espíritos de acordo com sua feição espiritual —
“preto-velho é espírito da umbanda”, por exemplo —, formulo a seguinte
indagação. Como podemos trabalhar com padres e freiras no espiritismo? Acaso
alguém lhes pediu para abandonarem seus títulos e vestes sacerdotais para que
pudessem ser aceitos? Acaso alguém viu em sua presença e atuação uma ameaça de
catolicização do espiritismo? Então, por que adotar uma conduta com aqueles que
representam o povo historicamente oprimido e discriminado e portar-se de outro
modo com aqueles que têm seu passado associado à instituição que mais
atrocidades cometeu contra a humanidade, em inumeráveis perseguições em nome de
Deus?
Qual a
importância do Espiritismo para o seu trabalho?
Meu livro de
Memórias, em que narro histórias minhas com os espíritos, relata como ingressei
no espiritismo. Foi por meio da intervenção direta dos benfeitores na igreja
evangélica, quando me preparava para formar-me pastor. Foram eles que me
apresentaram os livros de Allan Kardec e o endereço de um centro espírita a
procurar, ambos anotados no púlpito da igreja, ao fim de uma pregação mediúnica
que fizeram através de mim.
Foi Chico
Xavier, ainda que com a contribuição mais esparsa de outros médiuns, o porta-voz
dos espíritos para a fundação e orientação de todos os núcleos de trabalho de
que participo hoje.
Ele é quem
encorajou a publicação do primeiro livro — Canção da esperança —, que eu temia,
apesar das reiteradas orientações dos espíritos por meu intermédio. A ponto de
entregar-me psicografia dele, de autoria do espírito Bezerra de Menezes, que
prefacia o livro. Ele também foi quem disse, ao lhe mostrar Tambores de Angola
no prelo: “Lance, meu filho, pois esse livro precisa sair. Mas aproveite e se
lance para fora do país por um tempo (…) por causa da caridade dos irmãos
espíritas…” — disse, apontando para a língua enquanto pronunciava a palavra
caridade.
Além disso, e
do que já demonstrei na resposta à primeira pergunta, os críticos de meus livros
ainda não nos apontaram objetivamente, uma vez sequer, em que ponto nossos
livros contrariam Kardec e seus escritos. Como nosso compromisso é com o
espiritismo — e não com os espíritas ou com a leitura que muitos fazem do
espiritismo —, considero-me fiel ao mandato a mim confiado.
Sendo assim,
o espiritismo é o ar que respiro, é o compromisso maior da Universidade do
Espírito de Minas Gerias, instituição que engloba as demais por mim fundadas e
que hoje conta com mais de 300 alunos em cursos regulares de estudo do
espiritismo. A questão talvez seja o conceito que cada um tem a respeito do que
seja espiritismo, do que represente ser fiel aos preceitos da falange do
Espírito Verdade. A quem caberá o monopólio de tal julgamento?
Nossos livros
são desafiadores, controversos, talvez polêmicos, e chocam o status quo no
movimento espírita? Que bom! Kardec foi altamente controvertido e criticado, a
seu tempo. O mesmo vale para Jesus. Portanto, creio que também assim — embora
não somente assim — seguimos seus passos.
Uma análise de
José Passini do seu livro Legião circula na Internet. Nela, o autor comenta
dezenas de passagens e frases do seu livro com o objetivo de confirmar a tese de
que suas “revelações” não seriam reais, colocando dúvidas quanto a seriedade de
seu trabalho. O que você pode dizer a críticos desta natureza?
Não conheço
tal crítica, feita em público, mas jamais remetida à Editora; no mínimo, nunca
chegou às minhas mãos. Portanto, não posso analisar seu conteúdo nem
comentá-la.
Entretanto,
hei de confessar que não acompanho semelhantes debates na internet, pois a vejo
como um fórum onde se resvala para a crítica pessoal, com desdém e desrespeito,
ainda de modo mais fácil e freqüente que em outras mídias. Nas poucas vezes em
que resolvi lidar com tais comentários, concluí que de duas, uma: ou fazia meu
trabalho, ou me ocupava em ficar respondendo e debatendo as inúmeras críticas.
Optei pela primeira alternativa, sobretudo porque não há tempo para tudo quanto
há. Há tanto por realizar!
Consolo-me na
postura de todos os verdadeiros seguidores de Jesus — a que aspiro ser —, que
jamais se deixaram levar pelas críticas a ponto de demovê-los da tarefa que lhes
fora confiada. E críticos sempre os há! Chico me disse, certo dia, algo como:
“Se ficar em casa e não fizer nada, ainda assim falarão de você, chamando-o de
preguiçoso. Portanto, prossiga!”. E o mentor Alex Zarthú: “Responda as críticas
aumentando a qualidade de seu trabalho”. É nisso que tenho me
baseado.
Ah! Preciso
acrescentar: meus livros não trazem revelações; nada há neles que seja novidade
a ponto de ser assim classificado. E são produto do pensamento de seus autores
espirituais, é bom que se diga, e não fruto de elaborações que partem de meu
conhecimento pessoal. Há pontos que até para mim se afiguram inusitados ou
obscuros e que, de mais a mais, obrigam-me a estudar e rever meus pontos de
vista. Sem contar os debates prévios à publicação, em que os enchemos de
perguntas e dúvidas…
Como suas
palestras e cursos vem sendo recebidos nas casas espíritas que você visita no
Brasil?
Muito bem, nas
que me convidam. Ao menos é assim que entendo, com algumas exceções, é claro.
Ninguém agrada a todos.
Atualmente
quais os trabalhos de médiuns brasileiros que você pode
destacar?
São muitos…
Mas que prefiro não nomear. Sabe como é: muitos são amigos ou conhecidos e, de
mais a mais, evito até certo ponto até mesmo a leitura do que está sendo
produzido atualmente, como forma que encontrei de me preservar da influência
alheia sobre meu trabalho mediúnico.
Ciência,
filosofia e religião. Como você analisa a convivência entre os pólos da
Doutrina?
O espiritismo
tem no laboratório da mediunidade seu campo experimental e faz-se ciência na
medida em que adota um método claro para promover e lidar com os resultados
obtidos. Esses resultados são, em grande medida, de natureza filosófica, de uma
filosofia com conseqüências morais, e é aí que repousa seu aspecto religioso —
no aspecto moral —, conforme esclarece Kardec na introdução de O Evangelho
segundo o espiritismo.
Se por
convivência se quer dizer de como interagem tais aspectos na atualidade,
claramente a prática brasileira do espiritismo privilegiou o lado religioso, em
virtude de traços fortes, inerentes à nossa cultura. Sem qualquer julgamento
sobre essa realidade, é forçoso reconhecer que cabe ao adepto moderno do
espiritismo conciliar tais frutos com o reacender da chama dos aspectos
filosófico — por meio do incentivo ao estudo interessante e prazeroso dos
postulados espíritas — e científico do espiritismo, retomando a experimentação
mediúnica destemida, o exame crítico das comunicações e a coragem e a
pró-atividade kardequianas ao abordar a dimensão extracorpórea.
Qual o livro
de sua autoria que mais te marcou?
Sinceramente,
não consigo decidir. Há vários, pelos aspectos mais distintos. Todos são como
filhos, e é duro dizer a um pai que deve escolher entre os filhos.
Qual o
principal conselho que você pode dar a um estudante de
espiritismo?
Estude,
estude, estude. Quando achar que está pronto, estude mais. Pergunte, sem medo,
cultive a curiosidade verdadeira, o desejo pelo saber, que é o combustível do
qual Kardec se serviu para promover as investigações que empreendeu. Jamais
esqueça Kardec — mais ainda o espírito de seus textos, a atitude que revelam,
que os textos propriamente ditos, num apego à letra que pode se tornar
fundamentalista. Tudo começou — e persistiu — com a curiosidade do homem Kardec,
seu ânimo, as perguntas por ele formuladas previamente às reuniões, com método,
critério e redação esmerada. O livro dos espíritos — e o espiritismo, por
extensão — nasceu a partir de suas indagações, de sua vontade de conhecer e
aprender.
Em Kardec está
a base para todo o resto, está o porto seguro para nossa prática, nosso
dia-a-dia. Apreendamos dele a ética de nunca se render à tentação atávica de
colocar os espíritos em claustros ou altares de santificação. Despeço-me com
suas lúcidas palavras: “Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como houvera feito
com homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar e não
reveladores predestinados. Tais as disposições com que empreendi meus estudos e
neles prossegui sempre. Observar, comparar e julgar, essa a regra que
constantemente segui” (kardec, A. Obras póstumas. Rio de Janeiro, feb: s.d., ed.
especial. ii parte. A minha primeira iniciação no espiritismo, p. 329).
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